Os Texugos do Mundo: nove espécies, um nome
A
designação “texugo” é usada para denominar uma variedade de predadores
da Família Mustelidae, que habitam quatro continentes: Ásia, Europa,
América e África. No mundo existem nove espécies diferentes de texugos
(oito pertencem à sub-família Melinae, que são considerados os
“verdadeiros” texugos, e uma à sub-família Mellivorinae). Apesar da sua
aparência ser por vezes muito diferente, estes carnívoros apresentam
similaridades estruturais, comportamentais e ecológicas. Os texugos são
mamíferos de tamanho médio, com um corpo entroncado, uma cabeça pequena e
um pescoço reduzido e espesso. A cauda é em geral curta e o focinho é
alongado. Numerosas espécies cavam uma elaborada rede de tocas,
utilizando as patas da frente, que possuem garras não retrácteis
relativamente bem desenvolvidas. Estas tocas, além de lhes fornecerem
segurança, protegem-nos do frio durante os Invernos longos,
especialmente aos que habitam zonas mais setentrionais. A maior parte
das espécies são nocturnas e a sua visão é portanto relativamente fraca,
sendo os olhos reduzidos e pouco visíveis. Pelo contrário, o olfacto
está bem desenvolvido. Tal como em todos os mustelídeos, as glândulas
anais são bem desenvolvidas e produzem secreções de odor intenso, que
servem como veículo de comunicação olfactiva.
Meles meles
O
registo fóssil indicia que este grupo de mustelídeos evoluiu a partir de
ancestrais semelhantes a martas e fuinhas (Gén. Martes), que no
Terciário (há 65 – 2 milhões de anos) diferenciaram-se, apresentando uma
evolução na dentição em direcção à omnivoria (importância crescente dos
dentes tuberculados atrás das mandíbulas e redução dos dentes
carniceiros cortantes). No começo do Pleistocénico (a partir de 1,8
milhões de anos) a Europa assistiu ao aparecimento de texugos
semelhantes às espécies actuais, vindos da Ásia, havendo numerosos
restos fósseis de animais deste período (e.g. Meles thorali).
O
continente que apresenta uma maior variedade de espécies deste grupo é a
Ásia, onde existem sete espécies: texugo porco Asiático ou de cerdas
(Arctonyx collaris), texugo fedorento de Palawan e Calamian (Suillotaxus
marchei), texugo Malaio ou texugo fedorento da Indonésia (Mydaus
javensis), três espécies diferentes de texugos furões (Género Melogale) e
o texugo Eurasiático (Meles meles). Geograficamente isolado deste grupo
de texugos que, de alguma forma, apresentam distribuições sobrepostas,
temos o texugo Americano (Taxidea taxus). Todos estes texugos pertencem à
sub-família Melinae. Há que referir ainda a existência de uma outra
espécie pertencente a uma sub-família diferente, mas cujas
características comportamentais e ecológicas a aproximam dos texugos
atrás descritos - o ratel ou texugo do mel (Mellivora capensis). Este
aparenta estar mais próximo evolutivamente dos Mustelinae (martas,
fuinhas, etc.) do que dos Mellinae (texugos), embora seja
suficientemente diferente de ambos para ser in cluído numa outra
sub-família - Mellivorinae. Apesar das afinidades filogenéticas serem
menores, as admiráveis semelhanças estruturais, comportamentais e
ecológicas devem-se a uma evolução paralela, resultado de um modelo de
vida semelhante.
Mellivora capensis
O texugo porco Asiático
ou de cerdas (Arctonyx collaris) é um predador de médio porte (com cerca
de 70 cm de comprimento e até 14 kg de peso), com uma vasta
distribuição no Sudeste Asiático, podendo ser encontrado em zonas
florestais do Norte da China e da Indochina, até à Tailândia e à ilha de
Samatra (Indonésia). É um habitante típico de florestas tropicais, onde
se alimenta, passando os dias refugiado em tocas profundas. Devido aos
seus hábitos tímidos e nocturnos e à inacessibilidade das áreas onde
está presente, pouco se conhece da ecologia e comportamento desta
espécie. No entanto, sabe-se que é um mustelídeo verdadeiramente
omnívoro, comendo principalmente raízes, minhocas e frutos, que encontra
graças ao seu focinho móvel, em forma de tromba, característico desta
espécie. Estes animais são ainda hoje apanhados em armadilhas para
aproveitamento da sua pele, utilizada para fazer pincéis (de pintar e de
barba) e tapetes.
O texugo fedorento de Palawan ou
Calamian (Suillotaxus marchei) apenas pode ser encontrado em duas
pequenas ilhas do grupo Calamian (Indonésia), a Norte e Este de Bornéu:
Palawan e Busuanga. Este carnívoro é considerado um pequeno desconhecido
(com cerca de 46 cm de comprimento e 3 kg de peso), pois tirando
algumas descrições relativas à sua capacidade de, quando atacado,
expelir um líquido de odor desagradável em direcção ao atacante (daí o
seu nome de fedorento), pouco se sabe acerca desta espécie.
Suillotaxus marchei
O
texugo Malaio ou texugo fedorento da Indonésia (Mydaus javensis) é um
pequeno/médio mustelídeo (até 51 cm de comprimento e até 3,6 kg de
peso), cuja área de distribuição está restrita a algumas ilhas da
Indonésia: Java, Sumatra, Bornéu e Natuna. Habita somente áreas de
montanha, sendo maioritariamente nocturno. Os seus hábitos escavadores
permitem-lhe fazer tocas pouco profundas e muito simples, onde repousa
durante o dia. Apesar de, tal como as restantes espécies descritas, ser
cientificamente quase desconhecido, suspeita-se que se alimente de
invertebrados (minhocas e insectos). Este animal tem os dedos das patas
anteriores unidos mesmo até à base das garras, o que faz com que ao
caminhar sobre os dedos (digitígrados) se bamboleie de maneira
característica. O texugo Malaio é reconhecido pelos habitantes das áreas
onde existe, pois possui uma glândula anal, cuja secreção rivaliza, em
termos da intensidade do odor, com a da doninha-fedorenta. Esta
excreção, para além de ser pestilenta, ap arenta ser nociva para os
animais que atacam o texugo, havendo registos de cães que morreram
asfixiados devido à sua acção, ou ficaram cegos, quando atingidos nos
olhos. Tal como as secreções anais das civetas, estas são usadas,
bastante diluídas, na elaboração de perfumes. Este mustelídeo é
igualmente alvo de perseguição e caça por parte das populações indígenas
sendo, por vezes, consumido por estas.
Os texugos
furões pertencem todos ao género Melogale e habitam as zonas tropicais
do Sudeste Asiático. O texugo furão indiano (Melogale personata) habita a
Índia, Nepal e Birmânia; o texugo furão da China (M. moschata) vive
numa área que vai desde a China ao Vietname do Norte; e o texugo furão
de Everetti (M. everetti) restringe-se ao Bornéu e Java. São as espécies
mais pequenas (33-43 cm de comprimento e raramente ultrapassando os 2
kg de peso) e as únicas verdadeiramente trepadoras. Estas espécies são
consideradas as mais primitivas de todos os texugos existentes, tendo
uma dentição ainda semelhante aos seus ancestrais (martas e fuinhas).
Habitam florestas tropicais e subtropicais, áreas de pradaria e
culturas, podendo viver, sem serem detectados, junto ao Homem. São
descritos como omnívoros, alimentando-se de insectos, vermes, pequenas
aves, ratazanas juvenis e frutos. São animais nocturnos que descansam
durante o dia em abrigos subterrâneos (naturais ou construídos) ou em
cima das árvores, f acto facilitado pelas suas capacidades trepadoras.
Como todos os texugos, descritos até ao momento, quando atacados expelem
um odor pungente da sua glândula anal.
Taxidea taxus
O
texugo Euroasiático (Meles meles) é a espécie com a área de distribuição
mais vasta, ocupando regiões asiáticas tão distintas como a Rússia e a
costa Este da China e estendendo-se, através da Europa, até às ilhas
britânicas e à zona mediterrânica (incluindo Portugal). Habita, deste
modo, uma grande diversidade de habitats, sendo a espécie de texugo mais
estudada, facto bem patente na vasta bibliografia científica
disponível, especialmente oriunda do Reino Unido (abrangendo áreas tão
distintas como a ecologia, a etologia, a parasitologia, etc.). Este
interesse pelo conhecimento dos aspectos da biologia e ecologia deste
carnívoro deve-se, em parte, ao facto de texugo Eurasiático constituir,
no Reino Unido, um “reservatório” importante para a tuberculose bovina.
Este facto, aliado ao enorme peso que a pecuária bovina tem na economia
britânica, ampliou o interesse nos estudos científicos visando esta
espécie. É um carnívoro social de médio porte (até 90 cm de comprimento e
16,7 kg de peso), h ábitos nocturnos e comportamento omnívoro, com uma
alimentação muito variada (consome minhocas em Inglaterra e Norte da
Europa, frutos e insectos na Europa mediterrânica, etc.). De dia estes
animais refugiam-se em tocas mais ou menos profundas, que chegam a ter
80 entradas e que compartilham com outros membros do grupo (constituído
por 3-35 animais). Todas as outras espécies vivem em tocas relativamente
simples, quando comparadas com os elaborados complexos de tocas, por
vezes centenários, do texugo Euroasiático. Pelo que se sabe, e em
oposição aos outros texugos aqui descritos, a sua glândula sub-anal não
tem nenhuma função defensiva, servindo apenas para marcação do
território e dos recursos, e como veículo de comunicação olfactiva.
O
texugo Americano (Taxidea taxus) ocupa uma vasta área da América do
Norte: desde o Sudoeste do Canadá até ao México central, e da costa da
Califórnia até ao Missouri e Illinois. Tal como o texugo eurasiático,
esta espécie está presente numa grande variedade de habitats sendo, no
entanto, mais comum em pradarias e florestas de folha caduca. Nas zonas
mais a Norte pode entrar em semi-dormência durante os Invernos mais
rigorosos, estando activa todo o ano quando as temperaturas não baixam
demasiado. Os indivíduos desta espécie são, em geral, de dimensões
semelhantes aos texugos eurasiáticos (42 a 72 cm de comprimento e 3,5 a
12 kg de peso), e maioritariamente nocturnos, repousando de dia em tocas
escavadas por si. Há relatos de tocas escavadas no asfalto e em ruas, o
que mostra como são poderosas as suas garras; contudo as suas tocas não
chegam à complexidade das do texugo Euroasiático. Esta espécie é
predominantemente carnívora, consumindo preferencialmente ratos e, como
complemento, alimentos v egetais e insectos. Estes animais podem formar
grupos de caça com coiotes isolados, mas não se sabe grande coisa desta
cooperação. Usam as suas glândulas anais como mecanismo de defesa,
através da produção de um odor desagradável. São capturados em grande
escala por causa da sua pele, sendo retiradas cerca de 50 000 peles
todos os anos nos EUA e Canadá.
Taxidea taxus
O ratel ou
texugo do mel (Mellivora capensis) distribui-se por quase toda a África
sub-sahariana, estendendo a sua área de distribuição através da
Península Arábica até à Índia. São do tamanho do texugo Eurasiático
(cerca de 70 cm de comprimento e até 12 kg de peso), apresentando
hábitos maioritariamente nocturnos (apesar de poderem ser vistos de dia
fora das tocas). O ratel alimenta-se de escorpiões, insectos, frutos,
ovos, répteis, porcos-espinhos, e roedores. Alguns machos
especializam-se na captura de grandes mamíferos, tais como lebres,
raposas e juvenis de antílopes. Podem ainda rasgar a casca das árvores
para chegar aos ninhos de abelhas (daí ser, por vezes, denominado texugo
do mel), e desenterrar todo o tipo de comida, incluindo cadáveres
humanos. O ratel pode associar-se à ave melífera para se alimentar: a
ave com o seu chamamento característico conduz o ratel até um cortiço de
abelhas; o ratel, por sua vez, parte o cortiço e partilha a sua
refeição. A secreção da sua glândula anal tem duas funções distintas: a
de marcação do território e a de anestésico contra as abelhas.
Em
suma, tal como se pode constatar pelas descrições das espécies de
texugos existentes no mundo, este grupo está presente na maioria dos
continentes, abrangendo uma diversificada associação de habitats. Este
facto parece estar relacionado, por um lado, com a capacidade de escavar
refúgios e, por outro, à grande adaptabilidade trófica destes
predadores, que lhes confere a capacidade de se alimentarem dos recursos
disponíveis no meio, em determinada altura. Estes animais são
capturados, atropelados ou envenenados pelo Homem em todo o mundo, mas
mesmo assim têm sobrevivido surpreendentemente bem.
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